sexta-feira, 12 de março de 2010

Durante o Terremoto

Bem, voltando aos tremores. Começou a tremer e eu fugi de casa. Como estava sozinha, peguei o note e me mandei para a casa da minha sogra onde o Carlos trabalha. O pior foi eu me trocando embaixo do batente do quarto.

Peguei a mochila, a bolsa e me mandei.

Quando já tinha descido uns oito andares lembrei que estava fazendo torradas e tinha esquecido o forno ligado. Subi tudo de novo e depois desci outra vez.

Cheguei aqui morrendo de medo e estava o babado na troca de governo. Isso é que é posse agitada! As fotos da estão impagáveis. A cara de medo do povo olhando para o teto é surreal. E se cai o teto da bagaça, passava-se o rodo na política latino-americana. Só sobrava o Lula e o Chaves. Já pensou a capa da Veja!!!

Não gosto de ser bidu, mas me parece que, para o Piñera, esse terremoto não será tão mau negócio. Afinal ele vai ter uma desculpa excelente para não cumprir nenhuma das promessas feitas em campanha.

Na verdade, já até começou.

A primeira promessa que ele teria que cumprir (dentre as que havia feito) é que, no dia da posse, não teria mais nenhuma ação da LAN Chile. Por causa do terremoto, no entanto, ele não as vendeu. E aí você se pergunta: o que é que o cu tem a ver com as calças?

Eu nem sei se as ações perderam valor por causa do terremoto, mas, considerando que no dia seguinte da eleição, elas haviam sofrido grande valorização talvez a coisa tivesse equilibrado. Mas, ainda que seja esse o caso, o cara tinha prometido vendê-las não para fazer dindim com a venda, mas sim para evitar quaisquer suspeitas de interferência entre governo e empresa. Quem tá no mercado de ações tem que se sujeitar às intempéries, oras!

No mis, a volta para casa estava escutando rádio e o locutor, apropriadamente, lembrava que no período "pré-colombino" os povos nativos tomariam muito em sério a ocorrência de um terreoto no exato momento da troca de poder. Certamente, considerariam isso um importante pressagio. Se positivo ou negativo - indagava o locutor - caberia aos ouvintes decidir.

Depois do Terremoto

Depois de escapulir para São Paulo, bem a tempo de me salvar do quinto terremoto mais forte da história voltei para Santiago. Aliás, isso de terremoto mais forte da história é balela já que a medição de terremotos vem sendo feita apenas nos últimos 100 ou 200 anos, período geologicamente irrelevante, mas enfim: voltei.

As “novidades” começaram no aeroporto. O avião pousou e levou um baita tempo até que pudéssemos desembarcar. Isso acontece porque, como o prédio está interditado, primeiro as malas são enfileiradas na pista, ao lado do avião, e só aí os funcionários liberam as pessoas para que busquem seus pertences. Depois, você arrasta sua mala através de uma tenda de campanha onde está a imigração (cada funcionário com seu note) e depois o raio-x.

Uma vez liberado dos trâmites normais, saímos por uma passagem ao ar livre onde estão enfileirados os caras que fazem serviço oficial de taxi e van. No final da passagem ficam os parentes e amigos que aguardam seus entes queridos e o estacionamento.

No caminho do aeroporto para a cidade, pegamos algum trânsito graças a algumas obras que estão sendo feitas na estrada. Em certas partes o tremor abriu fendas que já estão sendo reparadas. Afora isso, não notei grandes diferenças.

O mesmo se pode dizer sobre o bairro onde moro. Por aqui, procurar marcas do terremoto é como um jogo de sete erros. Você olha e pensa: esse portãozinho estava assim zoadinho? E essa janela? Só quando fui visitar uma amiga do Carlos é que vi uma casa parcialmente despencada, com os tijolinhos na calçada, cercada por aquela fita amarela de polícia. Também perto daqui, a torre de uma igreja caiu.

A verdade é que, de modo geral, os prédios resistiram bem. Vejamos os detalhes.

Apesar de o aeroporto ter sido detonado, os prédios de Santiago, em geral, resistiram bravamente. Uma amiga do Carlos, que mora no vigésimo terceiro andar (ou algo assim) de um prédio bem antigo, por exemplo, perdeu a geladeira e o microondas, mas sua casa está intacta.

A história é que desde os anos 60, quando aqui se registrou o pior de todos os terremotos da história (relativamente), o país criou regras muito específicas para a construção civil e tais regras vêm sendo seguidas a risca.

O conceito de um prédio anti-sísmico, cabe dizer, é que ele não pode cair durante o evento. Isso não significa, no entanto, que após o terremoto ele siga sendo habitável. É possível que falhas na estrutura acabem por condenar o prédio, mas, pelo menos, todo mundo tem tempo de fugir.

Atualmente, há por volta 40 prédios interditados e um caiu. Pensando bem, até que não é uma má marca. Evidentemente, nessa estatística não entram construções antigas. Várias casas, igrejas e outros prédios caíram, mas não eram anti-sísmicos. Esses 40 são prédios novos, altos e “mudernos”.

Em princípio, portanto, verifica-se que as tais regras funcionam, mas há um detalhe interessante. Em 2005, as construtoras estavam que estavam reclamando. A fiscalização das obras, diziam, era muito demorada, burocrática e isso encarecia as obras, etc. Fizeram então uma lei que permitia que as próprias construtoras fiscalizassem o seguimento das normas de construção.

Bem. O prédio que caiu – aquele que saiu em todos os jornais – foi feito depois de 2005. Os prédios interditados? Depois de 2005. Mas pode ser só coincidência, claro. E também há outros fatores.

Em Santiago, a zona mais afetada foi a norponiente. Essa parte fica já na saída da cidade e, se tivesse que comparar, poderia dizer que é uma espécie de Alphaville comercial. Nesse setor existem algumas residências de alto-padrão (poucas, na verdade) e um centro empresarial, onde, além de prédios de escritório, há centros de convenções, hotéis, shopping.

Ali fica o prédio da NEC, onde o Carlos trabalhou e onde diversos amigos dele ainda trabalham. Ali, a casa caiu. A galera da NEC está trabalhando em sistema home office enquanto a NEC busca um lugar para se mudar. Simplesmente, uma VIGA caiu na sala do gerente geral. Fosse no Brasil, iam dizer que era macumba, olho gordo, mas aqui não tem muito disso. O hotel Radisson está interditado e parece que vai ser demolido. O shopping que ficava ali despencou inteiro.

Deve ter gente indo a pé até Aparecida para agradecer que o terremoto foi sábado 3:30 da madrugada e não 3:30 da tarde.

Aliás, foi nessa região que uma estrada despencou também.

Curiosamente, nenhum jornal daqui noticia qualquer desses desastres (fora o caso da estrada). Ficamos sabendo pelo povo da NEC.

Aparentemente, o terreno ali é mais instável, mas até aí, depois que uma VIGA cai em cima da sua mesa, quem é que quer saber.

Outra história que ninguém divulga seriam a dos supostos saqueadores que apareceram mortos na pracinha de uma das cidades mais atingidas no sul. Ninguém sabe quem foi, nem quer muito saber. Do jeito que a história apareceu também sumiu a tal ponto, que eu nem sei se é verdade ou boato.

Já em casa, está tudo tranqüilo.

Quando chegamos, minha cunhada e minha sogra já tinham dado uma mega arrumada na casa deixando pouquíssima zona para nós. Sei que os livros (todos) caíram das estantes, os porta-retratos voaram e a cama foi quase parar no banheiro. Na cozinha, muitos copos e as xicrinhas de café quebraram, o macarrão pulou de dentro do armário (sei porque estava colocado em lugar diferente do que eu costumo guardar) e algumas outras coisas balançaram,mas já estava tudo arreglado quando chegamos. Só o armário estava do jeito que o tremor deixou.

Em casa temos um closet de modo que o armário, propriamente dito, não tem porta (só a porta que separa o closet do quarto). Quando eu cheguei, a porta mal abria. A caixa de moedas do Carlos tinha voado e espalhado moedinhas para todos os lados. As roupas estavam todas espalhadas já que as prateleiras deslizaram pelo trilho e caíram. Pelo chão havia parafusos e casinhas do Banco Imobiliário. O secador de cabelo estava dentro do cesto de roupa suja. Só as roupas dos cabides resistiram.

No fim, até que foi bom. Fiz uma faxina daquelas de tirar pó de dentro das gavetas e ficou um brinco.

Mas o mais incrível foi o centro de entretenimento: o computador com 3 teras de informação. Embora o bichinho tenha caído de cabeça – a ponto de abrir um buraquinho no chão – ele sobreviveu (e as informações também). Computador Highlander é outra coisa. Agora ele vai morar no chão mesmo.


No mais, ficaram umas rachaduras pela casa. Elas aparecem exatamente no limite entre o concreto da estrutura e a parede mole (ou sei lá como se chama isso) e não afetam a estabilidade do prédio.


No fim das contas, o que mais matou e destruiu foi mesmo a tsunami.

Tá uma discussão doida, pois houve muita falha de comunicação. Ninguém avisou da tsumani, não tinha plano de fuga bem feito, nenhuma preparação. Daí ficou a merda mesmo.

Você vê uma série de histórias de gente que poderia ter se salvado, mas ficou lá, sem fazer nada, até a onda invadir e levar tudo. Tem história de tudo quanto é jeito.

A pior é da menina que avisou a família que estava acampando na praia e ninguém deu bola para a coitada. Ela subiu numa árvore e a família inteira morreu.

Tem também a pequena heroína de Juan Fernández (a ilha onde ficou o Robson Crusoé) que sozinha correu pela noite e tocou uma sineta avisando as pessoas do tsunami.

O que ouço muito dizer é que mais que perdas materiais o tremor afetou o orgulho já que o país não estaria tão preparado para o tremor quanto pensava.

O pior é que eu estava escrevendo e assistindo a posse do Piñera e começou a tremer de novo. Vou fazer outro post.